quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Nas Sombras

Nas Sombras - Introdução

Observava eu atentamente para seu rosto plácido e frígido. A angústia de não ter conseguido o que queria mais uma vez me frustrava. O ódio adentrava minhas veias sufocando meus pensamentos profanos que tentava agora mais do que antes controlar desesperadamente, mas o pior já havia ocorrido. Com os olhos fechados para o mundo real agarrei a pederneira e limpei minhas frustrações na pele daquela louca que pensava ser melhor do que meu amor verdadeiro.
Ah se ela pudesse ver seu rosto agora, ou ao menos o que dele sobrou, uma mistura do amarelado da gordura fétida humana, com os ossos do crânio e os globos saltando de suas órbitas, como pude resistir tanto em pisá-los e limpar o caldo negro com os pelos daquela rameira leviana, promíscua e profana.
Ela que não suportava mais me esperar por tanto tempo, agora jaz no eterno e me espera para se vingar. Receio que nosso encontro não se dê tão breve quanto ela gostaria.
Enquanto nosso caloroso reencontro se encaminhava a passos de turbelários, me aprontava para mais uma vez tentar o que busquei todo esse tempo mas ainda não consegui.

- Anônimo

Capítulo 1 - O Princípio das dores

Delegacia de Investigações Gerais (DIG) – Centro de São Paulo

Passando as mãos molhadas pelo rosto tentando afastar o sono e o cansaço acumulado das noites seguidas de casos inexplicáveis desse maníaco que lhe tem causado tanta ira, desde o maníaco do parque, a população da Metrópole não se sentia tão insegura com o incerto obscuro da noite paulistana. A ira estampada no rosto do Investigado Pereira, parece que se esvai aos poucos junto com o fim da noite e a chegada de um novo dia, para quem sabe ser melhor do que aqueles dois dias anteriores.
- Ei, Carlos, tudo bem? - Pergunta seu parceiro dessa vez não com deboche mas com um ar verdadeiro de preocupação.
O que estava acontecendo naquela cidade, o que estava acontecendo com as pessoas daquele lugar? – Pensava o investigador Pereira - Não se pode andar sem ser assaltado por algum viciado em crack, ou qualquer outra droga - Mas agora a preocupação, chegava com ares de que a situação ficaria pior. Ou mesmo na noite anterior já poderia ter piorado, apenas duas quadras, duas quadras...
Seus pensamentos são bruscamente interrompidos por seu parceiro que insiste em perguntar – Tá tudo bem Carlos?
 - Claro que sim – responde com ar irônico – temos um maníaco a solta e a última vítima ficava a duas quadras de casa, ah sim eu estou bem, na verdade estou ótimo com tudo isso, e tem mais...
- Paro Carlos, não perguntei pra te atacar não, é que você realmente me preocupou hoje de madrugada, olha eu sei que você está preocupado com sua filha, e sei que você pensou que poderia ser ela mas...
Nesse momento a ira nos olhos de Carlos pareciam voltar com força total e então explodiu.
- Olha eu não preciso de compreensão sua e nem de ninguém ta legal.
- Não é isso, só estou tentando dizer que eu também ficaria preocupado com minha família se algo assim acontecesse perto da minha casa, mas você tem que dar graças à Deus por não ser sua filha.
- Eu sinceramente não acredito que você pensa que uma desgraça dessas na vida de uma família é menor do que seria se fosse à sua família. Olha Marcos, eu sempre pensei que você fosse mais humano do que isso.
- Se eu estivesse no seu lugar Carlos com toda a certeza eu estaria pensando, “antes ela do que minha filha”, e você não pode ser tão hipócrita, em dizer que no fundo você também não pensa dessa maneira.
- Talvez você esteja certo mas, isso não muda o fato de que esse cara veio destruir a base dessas famílias...
Sem prévio aviso ou apresentação, o Cabo Tiago interrompe abruptamente os descarrego de raiva acumulada de Carlos e Marcos com a última notícia que queriam ouvir naquela manhã
– Mais uma garota foi encontrada esquartejada.
- Qual bairro? – perguntou Carlos com ares de quem não acreditava no que acabara de ouvir.
- Foi em... – a hesitação do policial dizia mais do que suas palavras, então sem mais delongas completou – Itaquera.
Agora os rostos dos três estavam alvos, igual ao rosto da garota que resgataram a pouco de um monte de destroços de construção.


Redação Folha de São Paulo

- Buuuuu...!
- Caramba André, já te pedi para não fazer isso poxa vida.
- Ah, também não é pra tanto Carol.
- O que você quer ein André? – Pergunta com ar de quem não suporta mais a presença do “assustador” André.
- O chefe mandou a gente ver uma matéria juntos.
- Sério? – pergunta Carol com cara de que não gostou da notícia
- Também não precisa fazer essa cara né, afinal ele ia te mandar com o chatonildo “sou bonitão” do Pedro, eu falei um pouco na cabeça dele, e ele me pediu pra fazer a matéria com você.
- Sinceramente não sei o que seria pior.
- Puxa Carol, se não fosse por mim você nem estaria aqui, você precisa ser um pouco mais agradecida sabia.
Agora ele pegou onde dói, é se não fosse ele ter dado aquelas dicas sobre o caso Nakashima ainda estaria como estagiária e não como repórter – Pensou Carol e completou em bom som, e agora com um leve sorriso no rosto – certo André, e qual é o caso?
- O Maníaco de Itaquera.
- Fala sério! – parecendo não acreditar.
- E acho melhor pegar o gravador e alguns blocos de anotações agora mesmo, enquanto eu busco a câmera.
- Mais por quê? A Dayse e o Antônio já cobriram de madrugada esse caso.
- É que acabaram de encontrar mais uma garota trucidada em Itaquera.
- Certo é... bem você dirige.
- Sabe Carol, você fica tão linda quando fica feliz por ter que ir à cena de um crime bárbaro logo no começo do dia, que me dá vontade de te beijar – fala André com ironia.
- Ah, gatinho – retruca com o mesmo ar irônico – bem que eu gostaria de te beijar agora mais tenho coisas mais empolgantes pra fazer, tipo... é... ver um cadáver mutilado – dá dois leves tapinhas no rosto de André e sai.
- É cara pode não parecer, mais ela te ama de verdade – fala um colega de trabalho que acompanhava o diálogo na mesa ao lado – e logo caí na risada
André dá uma risadinha sem graça e também sai.


Rua Porto Xavier – Itaquera, São Paulo 

Após conseguirem passar por inúmeros repórteres de revistas, jornais, rádios e televisão com seus incontáveis microfones, câmeras e telefones via rádio, depararam-se com dezenas de policiais montando uma barreira para conter a multidão de curiosos e fotógrafos que iam chegando sabe-se Deus lá de onde, como um bando de formigas que descobrem uma bala no chão, para apreciarem a desgraça alheia e o modo como o ser humano pode ser destrutivo com seu semelhante e consigo mesmo.
- Olá Dr. David – Cumprimentou o Detetive Carlos
- Olá Detetive – respirou profundamente e completou – novamente, não que não aprecie sua companhia Detetive, porém a situação não favorece nossa amizade, se é que posso dizer assim.
- Concordo com o senhor Doutor – Respondeu enfático e prosseguiu – bom vejamos o que temos aqui.
- Bem é uma moça de aproximadamente 17 ou 18 anos – iniciou o Dr. David – Cabelos não sabemos e a cor possivelmente branca...
Neste momento o Detetive Carlos sentiu um golpe como um soco direto no estômago, abaixou a cabeça e perguntou com certa preocupação, medo e com a voz molhada pela comoção de mais uma vida perdida e mais uma família arruinada.
- Como possivelmente branca?
- Bem... eh... é melhor o senhor mesmo ver.
Ao aproximar-se pode sentir o cheiro de queimado forte que ardia nas narinas, e lhe embrulhava o estômago, rapidamente lhe veio à memória sua pequena casa em chamas, em Higienópolis na periferia de São Paulo, sua mãe aos urros pedindo por socorro ao ver três de seus quatro filhos sendo consumidos pelas chamas, ainda podia sentir o cheiro de seus irmãos, e ouvir seu gritos de dor e sofrimento, enquanto pouco a pouco eram consumidos pelo fogo. Os gritos de desespero de sua mãe ainda lhe ecoavam na mente, e de súbito voltou à atualidade, mais sem deixar de comparar aquele cheiro da jovem queimada, com o cheiro de seus irmãos após desobedecerem à sua mãe e brincarem com etanol.
- Alguma testemunha? – Pergunta o Detetive esfregando de leve os olhos.
- Como nas outras vezes nada, e a mulher que ligou para a polícia não quis se identificar.
- E agora, me parece que o caso não é mais de nossa jurisdição – disse o Detetive Carlos olhando por cima do ombro do Dr. David. E este virando teve senão uma grata surpresa.
- Não acredito é ela – sussurrou para o Detetive Marcos – Detetive Bell.

- Olá cavalheiros – cumprimentou ela com um sotaque brasiliense, de olhos esverdeados, belos cabelos ondulados nas pontas mais lisos da metade do seu comprimento até o couro cabeludo, possuía uma cor castanho claro, com algumas mexas douradas, seu rosto branco com maçãs levemente rosadas, e com uma 9mm no coldre debaixo do blazer da Polícia Científica, que a deixara demasiada atraente para a ocasião.

            - Eu sou a Detetive Racine Bell da Polícia Científica da DHPC do DF, e vocês são?
           
- Ah... é eu sou o Detetive Carlos Pereira.
           
- E eu sou o Dr. David Travis, Médico Forense da Polícia Científica.

- Então muito bem Doutor e Detetive, vou lhes falar da situação, o Secretário de Segurança pediu auxílio à capital Federal para digamos “acelerar” as investigações...

- Então ele nos chama de incompetentes? – disse visivelmente irritado o Detetive Carlos.

- Na verdade não ele só acha que mais mortes seria um péssimo negócio para alguém que quer ser governador, foi o que ele disse.

- Como sempre as vidas não são importantes e sim o poder. Ora poupe-nos de desculpas desse... – o Doutor respira fundo e continua – olha eu sei que a senhora só está cumprindo ordens, mais a vida é mais importante do que qualquer cargo.

- Concordo com o senhor doutor – ela faz uma breve pausa, então prossegue – bem vamos voltar pro QG?

- Como assim? Nós acabamos de chegar – argumentou o Detetive.

- Esse assassinato senhores não foi “obra” do maníaco que estamos procurando.

Os homens se entreolharam atônitos sem saber o que ela poderia estar dizendo. Mais ela percebendo a falta de compreensão deles prosseguiu.
- nosso maníaco não ataca por prazer, ele ataca por... Religião.

Agora a falta de compreensão era perfeitamente visível em seus olhos.
- No QG explico melhor para os senhores, por favor, me acompanhem.



À caminho da DIG (Delegacia de Investigações Gerais)

            Mas o que poderia ser aquilo, pensava o Detetive Carlos, enquanto lembrava, ou ao menos tentava se lembrar de algo que havia encontrado nas cenas dos crimes anteriores que pudesse levar a algo como algum tipo de ritual – Minha nossa preciso de um analgésico. Pensou o detetive esfregando as têmporas, tentando de alguma forma aliviar a dor e a pressão que se tornara sufocante e quase palpável de tão denso que o fazia parecer perder o ar.
De repente uma freada brusca do carro na qual seu parceiro Marcos dirigia o despertou fazendo-o voltar à realidade, e seus olhos se arregalaram com um olhar de susto ao ver seu parceiro descer cambaleante do veículo pela Avenida Itaquera, suas mão ensangüentadas levadas a garganta, tentando desesperadamente parar o sangramento. Dr. David desce abruptamente do mesmo veículo que Marcos, se ajoelha ao lado do amigo, tentando ver o ferimento ou o que poderia tê-lo causado. Ao retirar, a mão do amigo de sobre a ferida, pode observar uma pequena cascata de sangue que emanava de um único orifício. O bom doutor com suas próprias mãos limpa a área do ferimento para ter uma visão melhor. E o que vira o apavorara. – A artéria – sussurrou para si mesmo o doutor, enquanto tirava seu jaleco que até bem pouco tempo apresentava um bnranco impecável, mas depois de noites intermináveis de perícias em cenas de crimes bárbaros e bizarros, agora parecia mais com um saco de café, e o pressionava por sobre a ferida. No mesmo instante, o Detetive Carlos, se ajoelha ao lado do parceiro, toma sua mão já percebendo a frieza que um corpo em que a vida vai se esvaindo.

“As sombras me chamam, elas chamam pelo meu nome.”

Rapidamente se levanta e procura desesperadamente – MALDITO, CADÊ VOCÊ?! – Esbraveja já sem controle, dá uma última olhada para seu amigo ainda com vida, nos braços do bom doutor que tentava mantê-lo com vida. E vê em seus olhos, uma luz bem fraca, e que ia diminuindo mais e mais a cada segundo, até que a luz finalmente os deixara.

“Existe sim uma luz no fim do túnel. Mas é na direção oposta, é na direção da vida e não da morte. E não consigo voltar para a luz...”



Com os olhos entristecidos e cheio de emoção David confirma o que Carlos já sabia. Seu parceiro Marcos, havia morrido.


Continuação na próxima página