Capítulo 2 - Déjà Vu

Cidade da Pedra - MT

Na pequena cidade, as luzes novamente se apagam, já era o terceiro Blecaute apenas esta semana, e com o apagão os moradores já sabiam, o mal estava à solta. Portas eram fechadas as presas, ouvia-se o tinir das correntes e cadeados a trancar janelas e portões. Agora a única viatura da cidade saia à rondar na esperança de encontrar ou não, o que causara tanto alvoroço na cidade nos últimos dias.
O governo era intimado dia após dia, a enviar reforços policiais para a cidade isolada nessa época do ano.
Quem poderia imaginar, uma cidade tão pequena, porém famosas por seus belezas naturais do Pantanal, porém agora a mesma beleza a trai, as chuvas não dão tréguas, e a inundação afastou ainda mais a pequena cidade de qualquer possível ajuda imediata.
Uma sombra se movendo lentamente, e quase dançante com a leve brisa pós tempestade que se abatera sobre a cidade antes do blecaute, desperta a atenção do Soldado Francis e do Sargento Oliveira que faziam sua ronda noturna. Com o giroflex ligado, o sargento agora aciona a serene lançando os faróis altos sobre o encapuzado, o soldado desce rapidamente com arma em punho dando a ordem de "mãos na cabeça e encoste na parede" já corriqueira para a maioria dos policiais, porém aquela era uma abordagem perigosa, os últimos dias haviam sido demasiadamente tensos, e a possibilidade de algo acontecer os deixava de igual modo demasiados temerosos sobre o incerto e sobre o que poderia acontecer ao virarem cada esquina.
O Sargento de igual modo desce da viatura e empunha sua arma, também dando ordens ao suspeito. Este por sua vez obedece com uma lentidão que chegava a causar arrepios de temerosidade nos policiais. "RÁPIDO" gritou o Sargento já preocupado com a situação. Após encostar o suspeito na parede de um galpão abandonado, próximo ao cais ribeirinho da cidade, o Soldado começa a revista, e pergunta ao homem o seu nome.

 - Meu nome é Carlos, sou detetive e vim ajudar vocês.

A resposta deixou os homens atordoados sem saber qual o próximo passo a ser dado, porém após a revista e a confirmação da ausência de algo ilícito ou perigoso, o sargento pediu a identificação do suspeito, confirmando sua identidade.

 - Pelos céus. - Exclamou o Soldado - Quase que eu morro de tensão.

28º Batalhão da Polícia Militar - Cidade da Pedra-MT


Sentados na sala de reunião, o sol já raiava, e seus primeiros raios já penetravam as janelas enferrujadas da aparentemente abandonada delegacia.

 - Então você veio nos ajudar? Pelo que eu recebi há dois anos você foi expulso da Polícia Civil por indisciplina e por agredir uma Investigadora Federal após a morte por bala perdida do seu parceiro - ele checa novamente os papéis - Marcos, está certo?

 -  Sim senhor.

 - Então sugiro que o senhor se retire a cidade imediatamente, e não fique no meu caminho.
 Fui claro?

 - Com todo respeito senhor, eu posso sim ajudá-los nesse caso, pois esses acontecimentos... bem, digamos que não são novidades pra mim.

 - Como assim? Do que você está falando? - Pergunta o Sargento com sarcasmo.
 - Esses crimes tem o mesmo perfil dos assassinatos que acorreram em Itaquera há exatos dois anos.

 - Então você quer dizer que o mesmo assassino andou mais de mil quilômetros e esperou dois anos para voltar a praticar seus crimes?

 - Senhor, dê uma olhada nisso aqui - ele retira um laptop da bolsa, e mostra algumas fotos das cenas dos crimes que ocorreram em Itaquera.

O Policial, olha atentamente, e observa as semelhanças entre algumas fotos de São Paulo e algumas imagens que havia gravado em sua mente nos últimos dias.

 - Mais são... Exatamente iguais! - Exclamou quase sem voz o Sargento, parecendo não acreditar no que via.

 - E se estou certo, e tenho certeza que estou, temos pouco tempo até ele ou ela matar. Eu diria apenas mais uma semana.


Entre os Pântanos



Gargalhadas se misturavam aos sons das águas e das rãs e sapos que acabaram de despertar para mais uma noite de cantorias. Mesmo sob a Lua cheia mal podia-se ver o homem à beira de um dos rios próximo à cidade, seu corpo despido porém com algum tipo de líquido que de alguma forma o tornara quase invisível Diante do resplendor da luz da Lua. O negrume que tomava sua pele branca e seus cabelos castanhos médio era um líquido viscoso que o excitava e lhe dava a sensação de poder - Leviatã - Gritava o homem e em seguida soltava sua gargalhada mortal, após alguns minutos de euforia e excitação, o homem se abaixa e pega um pequeno livro de capa preta com letras douradas nos dizeres "Bíblia Sagrada", o homem sem a necessidade de folear para procurar o que queria esbravejou - Mestre, me mostre o teu poder - deixou que o livro por si só escolhesse o que deveria ser lido, jogou-o no chão e este se abriu. Ao ver o local onde o "Mestre" havia lhe mostrado para que lesse, deu uma sonora e mais exitante e cruel gargalhada - O homem com a maior Fé que já existiu - Disse o homem agora sussurrando, abaixou-se reverente perante o livro, curvou-se sobre ele e começou a ler nos dizeres do livro de Jó.


Poderás tirar com anzol o leviatã, ou ligarás a sua língua com uma corda?Podes pôr um anzol no seu nariz, ou com um gancho furar a sua queixada?Porventura multiplicará as súplicas para contigo, ou brandamente falará? 
As suas fortes escamas são o seu orgulho, cada uma fechada como com selo apertado.
Uma à outra se chega tão perto, que nem o ar passa por entre elas.
Umas às outras se ligam; tanto aderem entre si, que não se podem separar.
Cada um dos seus espirros faz resplandecer a luz, e os seus olhos são como as pálpebras da alva.
Da sua boca saem tochas; faíscas de fogo saltam dela.
Das suas narinas procede fumaça, como de uma panela fervente, ou de uma grande caldeira.
O seu hálito faz incender os carvões; e da sua boca sai chama.
No seu pescoço reside a força; diante dele até a tristeza salta de prazer.
Os músculos da sua carne estão pegados entre si; cada um está firme nele, e nenhum se move.
O seu coração é firme como uma pedra e firme como a mó de baixo.
Levantando-se ele, tremem os valentes; em razão dos seus abalos se purificam.
Se alguém lhe tocar com a espada, essa não poderá penetrar, nem lança, dardo ou flecha.
Ele considera o ferro como palha, e o cobre como pau podre.
A seta o não fará fugir; as pedras das fundas se lhe tornam em restolho.
As pedras atiradas são para ele como arestas, e ri-se do brandir da lança;
Debaixo de si tem conchas pontiagudas; estende-se sobre coisas pontiagudas como na lama.
As profundezas faz ferver, como uma panela; torna o mar como uma vasilha de unguento.
Após si deixa uma vereda luminosa; parece o abismo tornado em brancura de cãs.
Na terra não há coisa que se lhe possa comparar, pois foi feito para estar sem pavor.
Ele vê tudo que é alto; é rei sobre todos os filhos da soberba.


Quem abrirá as portas do seu rosto? Pois ao redor dos seus dentes está o terror.

Após a leitura reverente e obediente, ele se levantou, virou-se de costas para o livro e olhou para ela, tão bela, tão charmosa e tão arrogante. Agora a alma dela estava sobre seu corpo, o escondendo em plena Lua cheia. Seus olhos sem vida e seu belo corpo despido que agora começara a enrijecer-se.
Agachou-se agora perto dela e sussurou como um esposo amoroso que se despede da esposa ao sair de casa pela manhã para trabalhar. 

 - Você não era ela, não era quem eu procurava, você não está morta por minha vontade, mas por sua arrogância e soberba, ah  como eu queria que fosse você a escolhida. Você parecia ser a pessoa certa - deu um leve sorriso e concluiu - Adeus querida, até algum dia.

O homem uma vez mais levantou-se, se dirigiu até à beira do rio e começou a limpar a alma dela que já começava a cheirar mau em seu corpo.

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